Máscara de Grafeno

Mais uma aliada no combate à COVID-19

Via Saber
6 min readNov 11, 2020

Estamos lutando contra a COVID-19 (do inglês COronaVIrus Disease 2019) causada pelo coronavírus da síndrome respiratória aguda grave 2 (SARS-CoV-2). Essa pandemia tem impactado a saúde de toda a sociedade e eu sei que você quer muito saber sobre a máscara de grafeno que pode ajudar nessa luta, mas antes disso, é importante falar um pouco sobre o grafeno.

Você já viu um favo de mel? Aquele incrível hexágono feito pelas abelhas? Agora, tente imaginar uma folha favo de mel com espessura milhões de vezes menor que um fio de cabelo humano, porém feita de átomos de carbono, transparente, flexível e centenas de vezes mais forte que o aço. Esse é o grafeno, um material bidimensional (2D) produzido pela primeira vez em 2004 pelos cientistas Andre Geim e Konstantin Novoselov.

Você certamente já teve contato com o grafeno. Sabe a grafite que você usa para escrever? Então, a grafite é formada por várias folhas de grafeno empilhadas umas sobre as outras. De fato, estamos deixando folhas de grafeno no papel enquanto escrevemos. Para produzir o grafeno, Geim e Novoselov recorreram a um método muito simples: uma fita adesiva foi usada repetidamente para remover camadas da grafite, até restar a folha mais fina possível, com 1 átomo de espessura. Ambos foram premiados com o Nobel de Física em 2010. Este método ainda é utilizado em laboratório, no entanto, outros já foram e estão sendo desenvolvidos tendo em vista a produção em larga escala, que é um dos maiores desafios neste campo.

O grafeno ficou famoso devido às propriedades incríveis dele. Ele é um material muito fino (espessura de um átomo), flexível, muito leve, resistente e conduz eletricidade melhor do que o cobre que é um dos metais mais importantes industrialmente. Portanto, o grafeno é ideal para aplicações em dispositivos eletrônicos. Dispondo de um material com essas propriedades, podemos, também, criar celulares e tablets flexíveis, com telas que não quebram. Além disso, o grafeno pode ser usado na tradicional bateria de íons de lítio, essa que temos em nossos celulares, com o objetivo de fabricar dispositivos que carregam em segundos e armazenam carga por mais tempo. As propriedades do grafeno podem ser combinadas às de outros materiais, dando origem aos chamados materiais compósitos. Um material como esse pode, por exemplo, deixar a raquete do tenista Novak Djokovic mais leve e resistente.

Brasileiros estão pesquisando ativamente aplicações do grafeno. Em 2016, a brasileira Nadia Ayad foi a vencedora da Global Graphene Challenge Competition, uma competição mundial que busca soluções sustentáveis e inovadoras para problemas relevantes. Nadia desenvolveu um sistema de dessalinização e filtragem de água usando o grafeno. O dispositivo, além de reduzir as despesas com energia, poderá garantir a milhões de pessoas o acesso à água potável. Um outro exemplo é da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) que tem patente nacional para a tecnologia que incorpora nanotubos de carbono ao cimento. Nanotubos de carbono são folhas de grafeno enroladas em forma cilíndrica e esse cimento nanoestruturado aumenta resistência ambiental do concreto.

É importante falar que o grafeno foi o primeiro, mas não é o único material bidimensional. Outros, com diferentes propriedades, já foram desenvolvidos e estudados como, por exemplo, o nitreto de boro hexagonal (hBN) e o dissulfeto de molibdênio (MoS2). Os materiais 2D também funcionam como blocos de construção, assim como os blocos de montar LEGO, possibilitando o projeto e a fabricação de materiais com diferentes características físicas. Você já deve ter notado que o grafeno e os outros materiais 2D têm diversas aplicações. Então, agora é um bom momento para falar sobre as máscaras de grafeno.

Em 2020, nós estamos enfrentando a COVID-19. Enquanto esperamos por uma vacina, diversas soluções estão sendo propostas para combater essa doença que representa um problema global. Será que o grafeno pode ajudar nessa luta? A resposta é sim.

As pesquisas têm mostrado que os vírus podem ser inativados, na superfície do grafeno, por tratamentos com luz ou calor; que o grafeno pode ser usado em máscaras faciais para minimizar o risco de transmissão e, também, ser usado para capturar vírus e fornecer medicamentos antivirais.

Sabemos que a COVID-19 está se espalhando principalmente por gotículas respiratórias. Hoje, o distanciamento físico, higiene das mãos e uso de máscaras em público são as principais recomendações das autoridades de saúde. Existe o consenso de que as máscaras cirúrgicas (TNT), que são vendidas em farmácias, estão entre os melhores tipos disponíveis para uso fora de ambientes hospitalares. No entanto, são produzidas diariamente cerca de 40 milhões de máscaras cirúrgicas no mundo, que devem ser descartadas após cada uso ou esterilizadas para outras aplicações. A esterilização deste tipo de máscara não é fácil e o descarte, na maioria dos países, é feito por incineração que acaba gerando alta emissão de carbono e prejudicam muito o meio ambiente.

Pensando nesses problemas, pesquisadores da The Hong Kong Polytechnic University (PolyU), liderados por Dr. Guijun Li, desenvolveram um processo de fabricação a laser que deposita algumas folhas de grafeno em super-hidrofóbicas, ou seja, elas repelem os líquidos aquosos. Os estados super-hidrofóbicos podem ser obtidos ao controlar o foco de um feixe de laser infravermelho. Posteriormente, eles depositaram essas folhas super-hidrofóbicas sobre a máscara, assim, as gotas de água não conseguem grudar na máscara e rolam livremente para fora da superfície dela.

A técnica que eles usaram no experimento é chamada de Transferência Direta Induzida por Laser de Modo Duplo (pulse-LIFT Dual-Mode Laser-Induced Forward Transfer), que usa um feixe de laser pulsado com duração de 10 nanosegundos ou 0,00000001 segundos (rápido né?). O sistema ainda pode ser automatizado e incorporado as linhas de produção existentes, o que pode baratear e melhorar a fabricação. Além disso, as máscara revestida de grafeno super-hidrofóbica podem absorver mais de 95% da luz em todo o espectro solar (300–2500 nanômetros). Essa propriedade de absorção de luz faz aumentar rapidamente a temperatura, atingindo mais de 80°C após 100 segundos, que é suficiente para inativar a maioria dos vírus e, portanto, tornam possível esterilizar as máscaras com a exposição à luz solar.

Sabemos, e os próprios cientistas do estudo afirmam, que mais pesquisas são necessárias, mas é animador saber que as máscaras de grafeno podem diminuir o risco de transmissão e ser mais fáceis de esterilizar e reutilizar. Por fim, é interessante notar como conhecimentos de áreas diferentes podem ser combinados e beneficiar a humanidade. O grafeno foi feito em 2004 e hoje, devido aos diversos estudos que têm sido publicados mostrando a possibilidade de usar grafeno em outras situações, a comunidade científica acredita que o grafeno pode ter um papel importante na luta mundial contra a COVID-19. Isso mostra como o investimento em ciência é fundamental para solucionar problemas, atuais e futuros.

Referências:

Zhong, H., Zhu, Z., Lin, J., Cheung, C. F., Lu, V. L., Yan, F., … & Li, G. (2020). Reusable and recyclable graphene masks with outstanding superhydrophobic and photothermal performances. ACS nano, 14(5), 6213–6221. https://doi.org/10.1021/acsnano.0c02250

Sabelle Dumé (2020). Graphene joins the fight against COVID-19 https://physicsworld.com/a/graphene-joins-the-fight-against-covid-19/

Palmieri, V., & Papi, M. (2020). Can graphene take part in the fight against COVID-19?. Nano Today, 100883. https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S1748013220300529

A Universidade de Manchester é o lar do grafeno — é onde o material de um átomo de espessura foi isolado pela primeira vez. https://www.graphene.manchester.ac.uk/learn/

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