A homeopatia é uma prática iniciada no século XVIII pelo médico alemão Samuel Hahnemann. Ela possui dois princípios fundamentais: a lei dos semelhantes e as doses infinitesimais. A lei dos semelhantes diz que se você quer curar um sintoma, deve ingerir um ingrediente que provoca um sintoma semelhante. Por exemplo, se o paciente está com coriza e olhos irritados, um medicamento a base de cebola seria o ideal. Já a lei dos infinitesimais diz que quanto mais diluído o medicamento for, mais eficaz será.
O problema é que nada disso faz nenhum sentido cientificamente. O que é um problema inicialmente, mas não inviabilizaria, por si só, a homeopatia. Afinal, possuímos dezenas de medicamentos dos quais não conhecemos o mecanismo de ação, mas sabemos que funciona. O mecanismo de ação do paracetamol, por exemplo, foi desconhecido por várias décadas. Mas o paracetamol possuía ensaios clínicos mostrando que possui eficácia. A homeopatia não.
A lei dos infinitesimais também vai contra todo o conhecimento empírico que possuímos em química. A designação das diluições de medicamentos homeopáticos é feita de 1:10, usando X como identificador. Assim, uma diluição 3X seria uma diluição equivalente a 1 parte do princípio ativo em 1000 (10³) partes. É comum que existam preparações homeopáticas do tipo 30X: 1 parte em 1.000.000.000.000.000.000.000.000.000.000 (10³⁰) partes. Podemos comparar esse número com a constante de avogadro, que estabelece a unidade mol como 6,02x10²³ átomos de certa substância, e é comumente usado para preparação de medicamentos. Se começarmos com 1 mol de qualquer princípio ativo (mesmo um de verdade, como o paracetamol), na diluição 24X, existe apenas 60% de chance de haver UM ÚNICO átomo do princípio ativo na solução. Em 30X, há 1 chance em 1.000.000 (10⁶) de você encontrar um único átomo na solução.
E não para por aí. O homeopático Oscillococcinum, receitado para resfriado, é uma diluição 400X de fígado de pato. Além de fígado de pato obviamente não ser um remédio contra o resfriado, a diluição é tão absurda que é difícil descrever (1:10⁴⁰⁰). Para fazer uma analogia, é estimado que existam 10⁸⁰ átomos em todo o universo; assim, dissolver um único átomo de princípio ativo em todo o universo equivaleria a uma diluição de 80X. Para que existisse um único “átomo de fígado de pato” (o que quer que isso signifique) numa solução de todo o universo, seriam necessários 10³²⁰ (sim: o número 1 seguido de 320 zeros) vezes mais átomos. É esse o nível do absurdo.
Os “princípios ativos” são igualmente absurdos. Arsênio, cebola, sal, fogo (?) e wi-fi (?!) estão entre os ingredientes usados para a preparação de remédios homeopáticos. Poderíamos ir longe discutindo sobre como a farmacologia e a química farmacêutica evoluíram o suficiente para conhecermos os alvos terapêuticos dos medicamentos, como agem e porquê produzem o seu efeito, o que facilmente descreditaria o uso destes ingredientes… pouco ortodoxos. No entanto, eu convido você, leitor, a tentar fazer uma solução de fogo ou wi-fi, e acredito que, através dessa rica experiência empírica, poderá comprovar a falta de princípios científicos por trás dessa prática.
O consenso atual da comunidade científica é de que, após reunir milhares de estudos, não existem evidências científicas para sequer provar que a homeopatia funciona, com base de comparação com um placebo. Todo estudo já publicado que “alegava provar a homeopatia” acabou sendo descreditado por fraudes, erros metodológicos ou falhas de execução. Diversos governos, como o americano, australiano e diversos europeus já reconheceram a falta de eficácia da homeopatia. O governo americano já demanda que os medicamentos homeopáticos vendidos no país tenham um aviso claro de que o medicamento vendido não funciona.
Por que então conhecemos tantas pessoas que já foram “curadas pela homeopatia”? A resposta é simples: Efeito placebo. O efeito placebo funciona quando uma pessoa doente ingere um ingrediente inócuo, como água, farinha ou outros, mas achando que aquilo é um medicamento. Em muitos casos, a ingestão do ingrediente pode realmente causar efeitos benéficos no paciente pelos efeitos psicológicos do tratamento. Os efeitos podem ser subjetivos e de percepção, mas também podem ter fundamento psicológico, como uma resposta imune aumentada, aumento da pressão entre outros. Isso, junto com o fato de que a maior parte das vezes a homeopatia é prescrita para doenças autolimitadas, isto é, que o nosso corpo pode curar sozinho, como gripe ou um resfriado, ou doenças como a asma, que podem aparecer na infância e desaparecer com o crescimento, explicam a percepção de que a homeopatia pode funcionar.
A homeopatia surgiu como um tratamento alternativo numa época em que a maioria dos tratamentos vigentes eram mais prejudiciais que benéficos, como sangria, ingerir arsênio entre outros. Nesse contexto, a administração de um ingrediente inócuo CERTAMENTE é mais benéfico do que um tratamento que prejudicaria o paciente. Mas a ciência médica e farmacêutica evoluiu muito do século XVIII para os tempos atuais. De lá pra cá, descobrimos as fórmulas moleculares de medicamentos, aprendemos como eles funcionam no organismo e até mesmo a planejar e sintetizar novos fármacos mais potentes. Além disso, já aprendemos a sintetizar medicamentos biológicos como anticorpos com alta especificidade pro corpo, RNA interferente e terapia gênica, que consiste na administração de material genético diretamente às células do paciente para tratamento, entre diversos outros avanços tecnológicos.
A homeopatia, no entanto, não evoluiu e continua com os mesmos métodos e princípios seguidos no século XVIII.
Há quem diga que a homeopatia atualmente é uma alternativa à indústria farmacêutica, que é evitada e vista por muitos como vilã por “só visar o lucro”. Esse é outro fator que contribui para que a homeopatia ganhe adeptos pelo mundo: ao usá-la, os consumidores estariam “lutando contra o sistema” ao tirar lucro das indústrias farmacêuticas que irão explorá-lo. A visão, além de enviesada (qual indústria não visa lucro?), possui um profundo erro de conceito.
A indústria homeopática é a indústria farmacêutica.
A indústria homeopática é a indústria farmacêutica, tanto quanto gigantes da área como Pfizer, Novartis entre outras. Essa indústria contou com lucros anuais de cerca de 6 bilhões de dólares em 2017, e está com lucro projetado para 16 bilhões de dólares em 2024. No entanto, enquanto a indústria farmacêutica gasta bilhões anualmente em pesquisa para descoberta de fármacos mais eficazes e seguros, a indústria homeopática lucra com a venda de, basicamente, água e açúcar. Então não se engane: a indústria homeopática É a indústria farmacêutica. Mas sem avanços tecnológicos e investimento em pesquisa.
Referências: https://www.saudedireta.com.br/docsupload/1332085972Documento5.pdf
1,800 Studies Later, Scientists Conclude Homeopathy Doesn’t Work. Smithsonian Magazine. Disponível em: <https://www.smithsonianmag.com/smart-news/1800-studies-later-scientists-conclude-homeopathy-doesnt-work-180954534/>. Acesso em: 20 out. 2020.
MATHIE, ROBERT T., RAMPARSAD, NITISHLEGG, LYNN A. et al. Randomised, double-blind, placebo-controlled trials of non-individualised homeopathic treatment: systematic review and meta-analysis. Systematic Reviews, v. 6, n. 1, 2017.
GRIMES, DAVID ROBERT. Proposed mechanisms for homeopathy are physically impossible. Focus on Alternative and Complementary Therapies, v. 17, n. 3, p. 149–155, 2012.
Homeopathic products and practices: assessing the evidence and ensuring consistency in regulating medical claims in the EU. European Academies Science Advisory Council. Disponível em: <https://easac.eu/fileadmin/PDF_s/reports_statements/EASAC_Homepathy_statement_web_final.pdf>. Acesso em: 20 out. 2020.
Enforcement Policy Statement on Marketing Claims for OTC Homeopathic Drugs. Federal Trade Comission. Disponível em: <https://www.ftc.gov/system/files/documents/public_statements/996984/p114505_otc_homeopathic_drug_enforcement_policy_statement.pdf>. Acesso em: 20 out. 2020.
RESEARCH, ZION. Global Homeopathy Products Market Will Reach USD 15.98 Billion by 2024: Zion Market Research. GlobeNewswire News Room. Disponível em: <https://www.globenewswire.com/news-release/2018/10/29/1638266/0/en/Global-Homeopathy-Products-Market-Will-Reach-USD-15-98-Billion-by-2024-Zion-Market-Research.html>. Acesso em: 20 out. 2020.
